quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Revista Visage

Existe uma revista chamada “Visagem” que só circula dentro do universo Tijucas. É assim: você deixa 5 reais embaixo da porta e ela aparece no dia seguinte. Sempre no dia 10. Portanto, você tem que deixar o dinheiro no dia 9. Não sei quem edita, nem quem são as pessoas que escrevem. Eles assinam apenas com as iniciais – tipo J.R.S. ou N.B.P., por exemplo. A revista conta causos do próprio prédio. Ah, têm crônicas também. Estou vendo aqui. Ops, escrevi errado. Na verdade ela se chama “Visage”, sem o “m” no final.


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A “Visage” só circula dentro do Edifício Tijucas. Dia desses tentei sair com uma edição dentro da bolsa e o segurança J.C. me impediu dizendo que a revista não pode sair do prédio. Eu não sei como ele sabia que a revista estava dentro da minha bolsa.

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As edições sempre começam com a história de um morador do Tijucas recebendo a revista, por baixo da porta no dia 10, e terminam com este mesmo morador colocando 5 reais no dia 9 do mês seguinte. 

Prédio de pano

O Tijucas é um edifício constituído por panos. Vigas, colunas e pilares de tecidos toscos, mofados e envelhecidos. Costurados por histórias de alfaiates, fantasmas, trabalhadores, faxineiros, ascensoristas e transeuntes. Você vai descosturando e por baixo descobre antigos causos. Alguns manchados, outros apagados. Quer dizer, quase apagados. E por cima são aplicados novos – bem ou mal costurados. Às vezes o trabalho é tosco. A aparência é de uma colcha de retalhos com janelas. 

Elevador

Quando a porta do elevador do Tijucas abre, há sempre alguém – visível ou não, que entra ou sai. 

sábado, 23 de fevereiro de 2013

O Lobisomem Alfaiate

As strippers do centro contam que existe um lobisomem alfaiate morando no Tijucas. Ele já é um senhor, com pelos grisalhos. Anda mancando, às vezes apoiado numa bengala de madeira. Elas dizem que ele parece um cachorro vira-lata, sempre fuçando lixo e caçando ratos. É só dizer “passa, passa” que sai com o rabo entre as pernas. Vaga pelos arredores farejando sangue de meninas menstruadas e uiva para as donzelas translúcidas nos outdoors eletrônicos das boates da Cruz Machado. Eu penso que ser alfaiate para um lobisomem é uma boa, pois pode consertar as próprias roupas, depois que arrebentam com a transformação. 

Horário comercial

Só ouço os zumbis do Tijucas durante o horário comercial. Entre as 8h e 18h vagam a passos lentos pelos corredores sussurrando: ”Esfihas de carne, esfihas de carne, esfihas...” e “Kibe da Boca, Kibe da Boca, Kibe...”. Depois das 18h, eles somem. O prédio torna-se silencioso, escuro e aterrorizante de novo. O único zumbi que ainda permanece, até umas 21h mais ou menos, é o ascensorista do elevador. Ao estacionar a máquina num dos andares vazios, resmunga solitário: “Desce, desce, desce, desce...” – dirigindo-se aos fantasmas.

Zumbis

Os zumbis do Tijucas usam paletós de naftalina, camisas Edith e datilografam máquinas de escrever (muitos perdem os dedos presos nas teclas). Vagam com enceradeiras, telefones de fio e rádios de pilha a tiracolo. São zumbis alfaiates (com pedaços de agulhas e retalhos pendurados no bolso), pastores, representantes de cosméticos, garçons aposentados, ex-guerrilheiros e integrantes do MR8. Eles não comem cérebro porque preferem as esfihas de carne do Kibe da Boca. 

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Virgílio e Leopoldo

Virgílio frequenta o Tijucas desde 1964, época em que ele e seu ex-sócio Leopoldo, se mudaram para Curitiba. Os dois eram muito amigos e dividiam um escritório. O conjunto de duas salas era perfeito para eles. Enquanto um escrevia, o outro fazia contas. O condomínio era responsabilidade do Virgílio. E a luz, do Leopoldo. Desde quando Leopoldo faleceu, há mais ou menos 2 anos, o escritor parou de pagar as contas de luz, porque era encargo do outro. E trabalha durante o dia, até anoitecer, digitando numa Olivetti modelo 1970, que não precisa de luz elétrica. Virgílio continua deixando os boletos de reaviso para o ex-sócio pagar, sobre a mesa. Mas para mim, Leopoldo continua frequentando o escritório na forma de um fantasma. 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Tijucas



Tijucas


por João Castelo Branco

Boneca Vodu

Dia destes quando sai do elevador, deparei-me com uma boneca vodu rente ao chão, ao lado dos contadores de energia. Descobri que era algo do mal quando vi os alfinetes espetados. Sua roupa era toda feita de retalhos mal costurados e manchados de tinta vermelha. Seus fiapos de cabelo eram loiros e a fisionomia muito parecida com a mulher do alfaiate da sala 1026. Comentei com JC – o segurança, mas ele não quis encostar. Vê-la através das câmeras de segurança foi ainda mais sinistro, parecia que iria se mexer a qualquer instante. Comentei sobre minha suspeita e aí ele me disse que a mulher estava bem, porém sua filha havia passado mal naquela manhã e teve que ser atendida por médicos da ECCO. Depois conversando sobre o causo com uns brothers no Kibe da Boca, fiquei sabendo que esta garota namora um cara casado. Tenso!!!

Choro nas escadas

Ontem aconteceu uma coisa assustadora comigo. Eram mais ou menos 9 horas da noite quando as luzes do corredor se apagaram. E elas nunca se apagam. Ainda traumatizado pelo episódio da bomba do 15º, fechei a sala e desci pelas escadas, porque o elevador não estava funcionando. Você não faz ideia o quanto são aterrorizantes os corredores deste edifício sem luz. Durante toda a descida, na escuridão, escutei o choro de uma mulher. Pensei tratar-se de uma pessoa com medo do escuro. Mas não consegui alcançá-la. Parecia estar o tempo todo, num andar na minha frente. Quando cheguei ao térreo, perguntei aos seguranças noturnos o que havia acontecido e eles me disseram que caiu a chave por causa de um cara que ligou uma enceradeira 220V e as tomadas do prédio são todas 110V. Então eu comentei sobre a mulher chorando nas escadas e eles me falaram que ninguém desceu antes de mim.

Sonhos para vender

Existe no Tijucas um comércio de sonhos. Os ascensoristas, seguranças e donos das lanchonetes pagam uma boa grana por sonhos – principalmente os que possuem animais do Jogo do Bicho. Eles passam o dia pesquisando, conversando com pessoas que sobem e descem dos escritórios e apartamentos. A pergunta que mais ouço é: “Sonhou com alguma coisa hoje?”. O Jogo do Bicho é um troço “freudiano” pra caramba. E o mais bizarro é que o elemento sonhado não representa diretamente o animal relacionado. Por exemplo, sonhar com o Papa significa jogar no coelho. Já se for um padre, é carneiro na cabeça! Já me aconteceu de sonhar com um veleiro e me recomendarem jogar no macaco. Nada a ver. Mas o bom mesmo é quando sonho com jacaré, avestruz ou elefante. É raro, ao menos para mim, lembrar com nitidez. Quando isso acontece, vendo logo para o primeiro jogador que encontro. Já cheguei a vender um sonho por cinquenta reais. 

O fantasma que fuma Hollywood e entende de Jogo do Bicho

Uma das histórias mais instigantes que já ouvi sobre o Edifício Tijucas desde que vim trabalhar aqui, é a do fantasma que fuma Hollywood e entende de Jogo do Bicho. Felizardos confirmam que o espírito sussurra nomes de animais dentro do elevador. É preciso estar sozinho para ouvir e, quando isso acontece é batata – a dica sempre dá certo. Todavia, quando o cabra ganha, é primordial que pague pela informação: o fantasma exige a recompensa de um maço de cigarros Hollywood, porque segundo a lenda – ele que trabalhou como pedreiro na construção do Tijucas, só fumava esta marca. Parece que morreu prensado no poço quando o elevador despencou. Contudo, o cigarro não pode ser de sabor menta. Quando isso acontece, ele reclama com uma voz cavernosa: “De menta não vaaleeeee!!!”. E se o sujeito não trocar pelo tipo certo, o elevador cai.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Banheirofone

Esses dias escutei um rapaz - provavelmente ao celular, no banheiro de um andar abaixo ao meu, dizendo: "Estou na farmácia! Logo chego em casa". Mas eu sei que ele estava numa "Casa de Massagem". E aí - alguma doida que também acompanhava o diálogo pelo banheirofone, gritou no duto: "É mentira! É mentira! Ele tá te traindo, sua tooooongaaaaaa!" O cara desligou o telefone, xingou a intrometida e por alguns momentos trocaram palavrões via duto. Eu acompanhei toda a conversa, com meu caderninho em mãos, tentando descobrir em que andares eles estavam.

Bomba

Mês passado explodiu uma bomba num dos andares acima ao meu, no Edifício Tijucas. Foi tenso. Assim que escutei o estrondo, desliguei tudo, peguei meu HD portátil e juntei-me aos que desciam aflitos pela escada - que não é contra-incêndio. Sabe como é...prédio de 1958. Não pude deixar de pensar nas imagens do acidente terrível em Santa Maria. E eu acho que todos que abandonaram seus escritórios tiveram o mesmo pensamento. Quando cheguei no térreo, me contaram que foi no 15º. Uma bomba de oxigênio usada em um laboratório protético. Aí subiram bombeiros, aumentaram os curiosos e cada um dizia uma coisa. Fiquei sabendo que os velhinhos advogados do 3º andar - que possuem uma grossa corda amarrada numa bigorna, tentaram descer por ela (a ideia de ter a corda é justamente para emergências). Mas aí o povo influenciou-os a mudar de ideia, pois apesar do susto, não havia fogo e eles poderiam descer pelas escadas ou elevador. Não foi desta vez que eles precisaram apelar para a famigerada corda. Graças a Deus!! E para mim, não existe bigorna alguma e sim um 3º velhinho amarrado na extremidade.