quarta-feira, 27 de março de 2013

Seita

Eu descobri que existe uma seita secreta, a qual moradores e frequentadores do Tijucas fazem parte. A seita é tão secreta, mas tão secreta, que nem os participantes sabem que ela existe, nem onde as reuniões acontecem. Se eu fosse o líder desta seita, marcaria os encontros no subterrâneo do prédio, pois reuniões deste tipo sempre acontecem no subterrâneo de algum lugar. E como toda seita executa rituais macabros, eu utilizaria como materiais: retalhos, agulha, fio e lama. Talvez algo pudesse ser tecido durante a prática. No mínimo, paletós. 

quarta-feira, 13 de março de 2013

Mini pântano intimista

Da minha janela do Tijucas consigo ver uma banheira. Fica dois andares abaixo, num apartamento, que teoricamente deveria ser comercial, como o meu, no próprio edifício. Mas é que estas regras de comercial/residencial não se aplicam impecavelmente ao Tijucas. Tudo é gerado por uma lei mais subjetiva. Às vezes penso que nas reuniões de condomínio, os moradores e o síndico ouvem até os mortos. Nos encontros devem separar o setor dos vivos e dos mortos com regras específicas para cada nível. A vantagem é que os mortos não atacam os salgadinhos.
Os apartamentos de frente para a Cândido Lopes, possuem um cômodo numa dobra, de frente à Americanas,  em “L”, os quais consigo observar pela minha janela.
A banheira está abandonada. A cada dia acompanho sua lenta degradação, cada vez mais esverdeada e abarrotada de folhas que caem de uma velha samambaia presa na parede posterior. Coitada desta samambaia, nunca alguém a regou. Nem mesmo borrifadas d´agua, coisa que eu sei que elas gostam. A não ser que isso seja feito em horários alternativos, que não estou no escritório, tipo nove da manhã ou aos domingos. Alternativos, ao menos para mim.
Silenciosa banheira – de vez em quando iluminada por parcos raios solares curitibanos. O design é antigo, anos setenta talvez.  Também a julgar pelo desfoque da cor. Mas estranho mesmo é o piso de carpete do cômodo. Será que o sujeito que a instalou possui aversão a azulejo? Ou apenas guarda a banheira no quarto de trás, onde já morava a solitária samambaia?
A banheira potencializa, dia após dia, uma cena cinematográfica. A pintura na fibra está descascada, o que aumenta ainda mais a sensação de abandono.
Talvez este escritório pertença aos fantasmas, pois a janela da frente, vista pela pracinha da Americanas, está sempre com as cortinas fechadas. Cansei de observá-lo, voltando ou indo ao Café. Os panos já estão gastos e descoloridos pelo sol da face norte.
O que teria acontecido aos moradores? E que ser excêntrico é este que instala uma banheira numa sala comercial? Normalmente o banheiro é que é utilizado para isto.
Já arquitetei diversas possibilidades de vislumbres na banheira, desde moças nuas com colares de pérolas – típicas de filmes noir, a vítimas de psicopatas hitchcockeanos. Um troço Janela Indiscreta pra caramba.
Já imaginei-a repleta de espumas, com alguém bebendo uísque ou champanhe. Idealizei cenas totalmente cinematográficas – não é todo apartamento que possui uma vista privilegiada como esta. O quarto da banheira parece um cenário de filme, criado por um produtor competente. A cena existe para ser notada e no caso, o voyeur sou eu.
Já conjecturei também surgirem personagens masculinos. Por exemplo, um mafioso calvo e peludo falando no celular ou um guri brincando com barcos piratas e polvos gigantes. Até mesmo casais, tendo que se encaixar no ínfimo espaço, alternando pernas num balé erótico.
Talvez aconteça diferente. Pense em pedreiros invadindo o cômodo e reformando o espaço. Levando a banheira e a samambaia com mãos pesadas de cal. Aliás, esta é a possibilidade mais viável. Triste.
Com o tempo me afeiçoei a este quarto. Talvez repouse neste vazio, alguma lembrança ou simplesmente seja agradável olhar para o silêncio, estando no caos barulhento do centro.
Não sei o que será de mim sem o quarto da banheira, no dia que alugarem para outro inquilino ou venderem a sala. A existência dela, mesmo que desocupada, é que preenche minha rotina. Sei que posso dar uma parada numa ilustração ou crônica de vez em quando, pegar uma xícara de café e ir até a janela, observá-la. Sempre na esperança de algo inusitado acontecer. Mas nunca acontece. E agora, acho que nem espero mais que aconteça.
É como olhar para uma casa de lambrequins fechada, entregue à inospitalidade de um bosque largado.
O local é uma locação pronta. Se abrir aquela torneira, as folhas ficarão boiando em líquido verde musgo. Criará um mini pântano intimista.
Já vi diversas lagartixas caminhando entre as folhas. Às vezes elas ficam estáticas, durante horas. Arte que é própria da lagartixa. Às vezes me sinto como aquela lagartixa, parado em frente à janela do escritório, olhando para o nada.
Vai que o apartamento é habitado por lagartos, e a rapariga que um dia verei se banhando terá cara de iguana?
Enquanto não aparece ninguém no quarto da banheira, eu continuo a observá-la. E enquanto ele existir, eu trabalho melhor.
Talvez eu seja o cara que utilize a banheira, ao menos em vigília, deito-me sobre sua estrutura de folhas.
O Tijucas é cheio de micromundos secretos, camadas de tecidos sobrepostas. Imagine o que não existe por trás de cada porta.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Vento, fantasma e homem grande


Ontem aconteceu algo espantoso comigo no Tijucas. Era tarde da noite, quando fui levar o lixo no corredor e a porta bateu com o vento. Joguei o pacote na lixeira, fechei a gaveta e quando tentei abrir a maçaneta da minha porta, estava trancada. Como se alguém tivesse fechado o escritório por dentro. Porém, eu estava sozinho na sala naquela hora! Olhei pela bandeira de vidro da porta e vi que a luz da sala de dentro acendeu e com o ouvido rente à fresta, escutei barulho do teclado. Alguém digitando. Continuei forçando a maçaneta, até que enfim, a porta se abriu. Persiana de ferro voando – torta no vendaval. Todas as luzes estavam apagadas e o meu computador ligado. Peguei meu HD, desliguei o computador e fui embora. Sem ler o que estava escrito no monitor.

 * * * 

Consegui resgatar o back-up da mensagem do fantasma escritor, do Tijucas, em meu computador. O Word gravou automaticamente. Algumas palavras estavam escritas erradas, ou digitadas apressadamente. Dei uma arrumada para vocês lerem:
“Pesquise a história de um morador muito alto, alto mesmo, que residiu no Tijucas em 1958. Me falaram que os pés-direitos altos dos conjuntos se devem por causa dele. O gigante era tão alto que só utilizava as escadarias e vivia dando cabeçada nas vigas. Não acredito que todos tivemos que viver em apartamentos altos por causa de um único habitante. Mas é que ele era bem amigo do engenheiro.
Eu o vi poucas vezes. Apenas uma sombra colossal certa vez, nas escadas, quando deu pane nos elevadores. Devia ter uns 3 metros, mais ou menos. Ou mais! E outra vez, no Café da Boca. “A xícara que ele usava era maior e a sua voz, gutural.”.